REDESCOBERTA DA IGREJA

11/01/2011 10:48

 

Por Mar Crisostomos Moussa Salama

 

            Sou muito grato pelo gentil convite, para falar sobre o presente tema, o que faço com muito prazer, procurando dar minha humilde contribuição para a glória do Senhor e a grandeza de sua Igreja.

 

            Seria muita pretensão de minha parte, abordar um tema de tamanha envergadura, objeto multissecular de tantos homens ilustres, eruditos centros internacionais e de concílios regionais e ecumênicos de estudo e pesquisa. O assunto, contudo, ainda não se esgotou. Certas testemunhas não foram ouvidas, testemunhas que possuem sérios fatos a declarar, revelar ou denunciar, esclarecer e retificar. Saudamos o diálogo cristão, o diálogo aberto, responsável e objetivo. Renunciamos às polêmicas subjetivas, alimentadas por uma herança de conflitos milenares, tendenciosos e lamentáveis. De fato, o cristianismo está passando por um estágio de entendimento, reaproximação e redescoberta de sua identidade. Conseguimos amenizar o ambiente hostil entre irmãos, criar parlamento eclesial (o CMI, o Movimento Pan-ortodoxo e a Secretaria Vaticana para Unidade Cristã), mútua cooperação nos campos sociais, educacional e cultural e até a unificação entre certas confissões religiosas. Há, realmente, uma sincera vontade, de parte da maioria dos cristãos, de conviver debaixo do mesmo teto, como uma só família e um só rebanho. Prevalece, ainda, o resíduo de espírito proselitista, nacionalista ou desintegracionalista em alguns setores do cristianismo. A unificação cristã, para alguns, é a mera absorção dos demais grupos. Para outros, é a erradicação da Igreja, em nome do Cristo, como se a Igreja fosse inimiga do Cristo.

 

            Para mim, os cristãos não estão ainda bem preparados a aceitar a idéia de plena comunhão. Enfrentamos o radicalismo dogmático, posicionalista de um lado, tradicionalismo pseudo-dogmático, e de outro e o liberalismo teológico, de mais um lado. A falta de coragem da parte hierárquica para quebrar certos tabus crônicos é o que vem prejudicando a ação saudável da Igreja.

 

            A Igreja ainda balanceia entre Moisés e Jesus, entre a lei e o Espírito, entre o sábado e o domingo, entre César e Deus, entre a filosofia e o escândalo da cruz, entre o celibato e matrimônio. Esquecemos a singularidade do Cristo, a unicidade da Igreja, a mensagem da nossa salvação. Condicionamos Cristo a livros, leis, dogmas, costumes, tradições, comes, bebes, vestes, sexo, dias, lugares, sistemas, homens mortais e “outros elementos frascos e pobres” (Gl. 4:9). Cada grupo ou Igreja enfatiza um certo ponto de vista estreito, de um lado da Igreja ou de um membro do corpo de Cristo, deformando, assim, a integridade do esposo e a beleza de sua esposa, às custas de outros membros: adventismo, batistismo, presbiterianismo, episcopalismo, pentecostalismo, salvismo, últimos dias, benções e tantos outros nomes bonitos e significativos, mas, lamentavelmente, parciais, sectários, facciosos e divisionários. Isso jamais quer desfazer de contribuições positivas, que tais respeitáveis grupos tem feito em prol da causa cristã, mas não se justificam em cria igrejas paralelas ou credos análogos, pois a Igreja tem muito lugar para todos e ainda sobra para outros. Basta-lhes compreender a verdadeira natureza da Igreja e a plenitude de sua missão. Essa é a mensagem de abertura, que nos legaram, entre outros, dois visitantes ilustres. O Patriarca de Antioquia, Mar Ignátius Zaqueu 1 e João Paulo II, os quais realçam a singular personalidade do Cristo e a missão básica da Igreja.

 

            Um certo teólogo contemporâneo, infelizmente excomungado, em recente declaração à imprensa inglesa, dizia que “a teologia ainda não morreu”. De fato, estamos reeditando e reavaliando a sua história, a exemplo de outras ciências. E vamos reivindicar nossos deveres e direitos como membros vivos do corpo da Igreja, cordeiros de Jesus Cristo e associados do Espírito Santo: deveres e direitos que nos foram usurpados ou negados, em nome de um posicionamento cultural. E se existe o radicalismo dos velhos continentes, jungidos a seus privilégios petrificados, caberá ao Brasil e seus filhos e filhas sacudir as velhas estruturas e liderar o redescobrimento da Igreja.

 

            No presente estudo procuramos dar nomes aos coelhos, sem rodeios ou subterfúgios, partindo de pontos básicos, criticando o que parece desvio e dando sugestões que nos parecem viáveis, com todo desapego e toda imparcialidade, exceto uma verdade que nos convence. Pretendemos abordar os aspectos fundamentais ou essenciais da natureza da Igreja. O tempo, as fontes de referência e o material de pesquisa são, aqui e agora, escassos. Prevalece, então, a nossa experiência, vivência, convicção e o testemunho de nossa consciência.

 

            Para falar em nome de uma Igreja, devemos partir de nossa convicção de sua ortodoxia. Mas isso não nos impede de admitir ou censurar seus erros, falhas ou atitudes. A Igreja nunca negou a sua qualidade de formação de homens limitados e pecadores. Mas nunca renunciou à luta pelos ideais de seu fundador. Ela é consciente de sua tarefa e de sua missão principal, de levar Cristo a todos os confins da terra. E nunca deixou de redescobrir a si mesma e suas novas energias, buscando sempre a perfeição.

 

            Partimos, ad agumentum, de alguns pontos básicos: 1) a pessoa humana é o objetivo principal de Deus e, conseqüentemente, a Igreja; 2) A Igreja é o plano de Deus para a nossa salvação; 3) a Igreja é de Deus e mais de ninguém ou de qualquer sistema; 4) somos a Igreja, seus membros, membros do corpo de Cristo, como cristãos; 5) os cristãos possuem, ainda, muitos pontos comuns de concórdia, total ou parcial apesar de suas divergências; 6) as divergências devem ser buscadas em seu contexto evangélico e histórico, com a convicção de que a vontade de Deus é que “todos sejam um” e que as nossas divergências, frutos de nossos pecados, não fazem a vontade do Pai; 7) não haverá possibilidade de nossa unificação sem o reconhecimento de nossas culpas e divergências. Não adianta disfarçar. Não adianta tornar um fato consumado algo que deve ser objeto de negociação ou de diálogo.

 

            Podemos, então, estudar os referidos pontos básicos, sob diversos aspectos, histórico, evangélico, doutrinário, litúrgico, administrativo, ecumênico e jurídico; finalizado com noções e conclusões gerais.

 

1. ASPECTOS HISTÓRICOS

 

            Nasci num lugarejo, no deserto sírio, onde havia uma mesquita e duas igrejas. Logo, desde a infância, defrontei-me com um problema, que herdei do passado. Acredito que todos nós tivemos situação semelhante. O total dos batizados das duas igrejas não passava de 15 famílias, aparentadas, vivendo e trabalhando juntas em todas as esferas da vida, menos a esfera religiosa. Havia barreiras imaginárias. Nenhuma das duas igrejas sustentava um pároco. Éramos visitados esporadicamente por padres de outras localidades. No decorrer de toda a minha carreira em diversos países, deparei-me com a mesma questão divisória. Gastei 90 % das minhas atividades de meio século, na inglória batalha de defender ou atacar, com pouco ou nada de aproveitamento positivo. Muitos ministros cristãos estão disputando os mesmos lugares, brigando entre si e desonrando o nome de Deus, enquanto muitos centros e campos missionários vastíssimos carecem de obreiros. A questão não é o aumento de fé ou de número de templos, mas, sim, a proliferação de credos e a inflação de entidades e hierarquias, como se Cristo tivesse sido dividido (1Co. 1:13). “Por vossa causa o nome de Deus é blasfemado”, dizia o apóstolo Paulo (RO. 2:24). É o escândalo da cruz.

 

            Nunca entendi como ainda não entendo: por que os cristãos brigam tanto por assuntos que não fazem parte do seu evangelho? Por que a Igreja procura complicar o simples em vez de simplificar o complicado? Por que exige de seus membros coisas que nem Cristo ou seus apóstolos exigiram? Por que a Igreja quer ser tudo: raça, nação, governo, estado, sistema social, clube, latifúndio... menos Igreja? Encontrei apenas uma resposta generalizada: a Igreja substitui a ação pela discussão. Ficou no extremo da infalibilidade de um só cristão. Esqueceu que “na Igreja, Deus constituiu primeiramente os apóstolos, em segundo lugar os profetas? São todos doutores? (1Co 12:28f) quero sublinhar ou grifar o verbo”constituir” aqui usado por São Paulo, de conceito jurídico, que estabelece autoridade exercida pelos apóstolos e conferida a seus sucessores (2Co 10:8, Ro 9:18, Lt 23:15, 2Co 13:10, lCo 9:12).

 

             A igreja por sua vez, consciente de seu papel e de sua autoridade “constitucional”, soube manter e defender a pureza de sua fé sem compromissos senão com seu esposo. E quando julgou necessário, recorreu aos concílios ecumênicos, sua autoridade inerente e máxima. Nunca foi conivente com o mal, interno ou externo, não poupando nem os seus próprios chefes. Lutou e vem lutando contra inimigos ferozes, internos e externos, procurando conhecer unicamente a Cristo, a Cristo crucificado (1Co. 1:23 e 2:2). Lutou contra desvios doutrinários, heresias, desordem, anarquia, poder escravagista ou absoluto e quaisquer outras tendências judaizantes ou pagãs, enfim, contra qualquer poder que se subleve, mine ou diminua a autoridade do Cristo, que lhe foi outorgada (2Co. 10:5). Foi e ainda é tarefa difícil lutar, não contra as forças do mundo, mas contra os desvios de seus próprios filho, chefes, pastores e doutores. Como é duro lutar contra filhos e irmãos, contra a supremacia humana, o amor pelo poder mundano (Mat. 20:25f), contra o agrado dos homens (Gal 1:10) e as variadas maquinações de Satanás (2Co 2:11).

 

             Como e o que fazer, então? Está tudo perdido ou confuso? É vã a nossa pregação? Cristo perdeu a batalha? A Igreja faliu? Não, de maneira nenhuma. Pois eu também sou cristão e vivo a esperança da Salvação por Cristo, que conheci através da Igreja.

 

             Sim, foi através da Igreja de minha aldeia, a Igreja da Síria ou na Síria, que conheci a Cristo. Essa tal de Igreja Síria, que acolheu o nascimento de Jesus (Lc. 2:2, que ouviu a sua viva voz (Mat.4:24), que recebeu a primeira carta apostólica (Atos 15:23) e foi episcopal (13:1) hoje é uma Igreja pouco conhecida, em comparação a outras Igrejas. Isso lhe constitui responsabilidade, mais que privilégios. Ela nunca pretendeu soberania como prêmio de sua ação missionária para o mundo inteiro, nunca assumiu o poder, graças a Deus. Nunca caiu em heresia ou cisma, nunca sujou as mãos pelo sangue, mas sempre está sendo martirizada. Nunca pleiteou nada, mas sempre foi pioneira. Nunca nada recebeu, mas sempre deu. Nunca se coligou com hereges, mas sempre foi fiel ao evangelho, ao Credo, a Cristo. Nunca manchou a sua sucessão apostólica. Nunca abandonou a comunhão dos santos. Sempre venerou a Virgem Maria, como Mãe de Deus, mas nunca a endeusou. Foi um dos seus filhos (Ignátius Teóforo) que usou pela primeira vez o termo de Igreja Católica, o nome que hoje lhe é negado. Sempre foi Ortodoxa, junto de suas Igrejas irmãs, mas a ortodoxia é dada hoje a outrem, pelo menos em dicionários. Sempre excomungou a Eutiques e sua heresia, mas muitos ainda insistem em alcunhá-la de eutiquina, monofisita ou jacobita. Nunca se separou de ninguém, senão dos desvios, pois nunca se sujeitou a nenhuma igreja. E mesmo assim, é denominada cismática. Esta é a minha Igreja, a Igreja de minha aldeia.

 

            É um fato histórico comprovado que Jesus nasceu em Belém da Judéia, na província da Síria, que fazia parte do Império Romano (Lc. 2:1 e 2). Jesus então, é um cidadão Sírio/brasileiro. Não importa a origem étnica de sua bendita mãe ou a religião tradicional de seu tutor, o São José. A descendência de Maria é mistura de moabita (síria) e judeu, de hittita e judeu (Rute 4.16f Mat. 1:5 e 6). A idéia de raça pura é invenção do sionismo, inspirador do nazismo. O fator principal na gênese das pessoas e nações é a terra de Canaan, um território sírio, antes, durante e após a invasão das tribos israelitas. A terra prometida não passa de inverdade, bem explorada. A promessa de Deus a Abraão tem apenas um sentido espiritual, de que de sua descendência nascerá o Cristo (cf.Gn.28:14, 26:4. Atos 3:25, Ro.4). Além do mais, Jesus só falava o aramaico (sírio) tanto ele como sua mãe e todos os seus apóstolos, que eram naturais da Galiléia dos Gentios (mat. 4/15).

 

            Foi pertinho da minha aldeia que os seguidores do Cristo adotaram o nome de cristãos, isto é, em Antioquia (Atos 11:26), a mesma cidade em que Pedro e Paulo desempenharam suas missões. Foi a primeira sede apostólica de São Pedro, após Jerusalém, também uma cidade síria, desde Melquisedeque. Os santos apóstolos estabeleceram outras sedes no mundo inteiro. Cabe a elas comprovarem a sua idoneidade. Mas Pedro não se enganou em estabelecer a sua sede em Antioquia, para transferi-la depois para outra cidade; como alguns alegam oficialmente (Bíblia Sagrada, página 1353, Edições Paulinas, 1953). Protestamos veementemente contra o desvirtuamento da história da sede petrina, principalmente contra a “inspiração divina” que diz que Pedro transferiu a sua sede para outro lugar e exigimos provas. Isso realça, mais ainda, a genuinidade, a singularidade e a importância da sede antioquina. Durante os dois mil anos da história da Igreja, nunca houve nenhuma prova, por mais remota que seja de que Antioquia, tenha sido submissa, e sim, plena comunhão a par da igualdade (Gal. 2:9). Em suas diversas atividades (sagrações, sínodos, concílios e deliberações doutrinárias. Antioquia agiu por conta própria, destacando-se na maioria dos encontros ecumênicos, como presidente. No 2º Concílio Ecumênico convocado em 381, Eustáquio, Bispo de Antioquia, presidiu, enquanto o Bispo de Roma nem representante enviou.

 

            Antioquia se manteve, ininterruptamente e em todas as épocas, com a intrusão de alguns bispos hereges ou cismáticos, mas esses nunca foram considerados bispos, sendo sumariamente excomungados, pela autoridade da própria Igreja. Antioquia é símbolo da ortodoxia; não apenas o bispo-patriarca de Antioquia, mas, todos os prelados de seu patriarcado, os quais são, por sua vez, sucessores diretos dos santos apóstolos, de fato e de direito.

 

            Em 6 de outubro de 512, Severo foi eleito como único Patriarca de Antioquia e expulso em 518, por ordem do tirano Justiniano I. Abrigou-se no Egito, de onde administrava o seu patriarcado. A perseguição de Justiniano atingiu a todos os bispos ortodoxos, menos 3 velhos em Marceus, Pérsia (Iraque) e Alexandria. Havia cerca de 500 bispos e dois patriarcas ortodoxos nas cadeias de Constantinopla. Mesmo na cadeia e com a colaboração dos demais prelados também prisioneiros, Teodósio, Patriarca de Alexandria, sagrou Tiago Severo. E assim se manteve a sucessão apostólica, à revelia do poder imperial (melkita). Tiago sagrou 102 presbíteros, 27 bispos e dois patriarcas. E até hoje, a Igreja da Síria mantém total comunhão com a Igreja de Alexandria, com a obrigação recíproca de citar o nome do Papa de Alexandria em nossas missas e o nome de nosso patriarca em suas missas. Vasken I, patriarca da Armênia foi sagrada por nosso falecido Jacob III, quando arcebispo de Beirut e Damasco.

 

            Prolongamo-nos nessa análise histórica, para cobrir um vasto período de quase dois milênios, traçando uma linha reta da continuidade ortodoxa da Igreja, no meio de tumultos, desvios e distorções: porque podemos compreender a evolução e a atualidade da Igreja, somente através da história e porque acreditamos que os historiadores honestos e imparciais irão colaborar na redescoberta da igreja.

 

2. ASPECTOS LITÚRGICOS

 

            Bem antes de escrever, codificar e editar os documentos da época apostólica, que posteriormente, receberam o nome de Novo Testamento, a Igreja da Síria criou a sua liturgia, isto é, o manual da celebração do culto cristão ou métodos de orar, batizar, crismar, partir o pão, ordenar, sagrar, ungir, e oficiar os demais sacramentos e rituais. É a liturgia, atribuída nominalmente a São Tiago, Irmão de Nosso Senhor Jesus Cristo, primeiro bispo de Jerusalém, autor de uma das cartas católicas e mártir no ano 61. Algumas referencias da referida liturgia apareceram no Evangelho. Podemos perfeitamente avaliar a influência da referida liturgia, que é a vida cotidiana da comunidade cristã primitiva, na composição e no pensamento de todo o Evangelho. Daí, a suma importância que a Igreja hipoteca à santa liturgia os seus detalhes e implicações. Ai do cristianismo se não tivéssemos conservado a liturgia de São Tiago, único documento autêntico da antiguidade. Outras liturgias de outras Igrejas carecem de autenticidade e autoridade. Ninguém ira da Igreja Síria mais este privilégio de autenticidade e autoridade. Ninguém tira da Igreja Síria mais este privilégio. E esperamos, para o bem do cristianismo, que os movimentos litúrgicos voltem às puras origens da única liturgia historicamente cristã e salvem o cristianismo dessa balbúrdia litúrgica.

 

3. ASPECTO EVANGÉLICO

 

            A Igreja Síria foi pioneira na formulação, redação codificação, tradução e divulgação da literatura primitiva cristã, que denominou de Evangelho ou Novo Testamento. Ela fez tudo aquilo por sua própria autoridade, confiante em suas origens apostólicas. Ela é autora, mantenedora, depositária e expositora das Sagradas Escrituras. Com a mesma autoridade ela congelou e proscreveu o chamado Velho Testamento e seus preceitos e leis, ficando apenas como fonte de referência, mas isso, também, pela força de sua autoridade e não pela autoridade do Velho Testamento (Hb. 8:13). A Igreja, então, constitui o Evangelho, para seu uso particular, como uma norma de sua doutrina, disciplina e conduta. É por isso que ela o respeita, reverência e defende irrestritamente. Ela existe com ou sem o Evangelho escrito, pois viveu muitos anos, um século ou mais antes de editar, codificar e universalizar o Evangelho escrito. Em outras palavras, ela é o Evangelho escrito “Não com tinta, mas com o Espírito de Deus vivo, não em tábuas do coração humano” (2Co.3:3).

 

            Não foi assim que procederam alguns grupos cristãos, que vem adulterando a palavra de Deus em diversas traduções tendenciosas, não respeitando nem o texto sagrado, do qual tanto falam e gritam. Eles agem assim, porque sabem que o Evangelho não é deles, é de outro dono, a Igreja, a Igreja que nunca adulterou nenhuma vírgula, no Evangelho que exclusivamente é seu dia. Dia chegará, quando, despertada a consciência cristã neles, os tradutores do Evangelho, em suas origens limpas e autênticas.

 

4. ASPECTO DOUTRINÁRIO

            O Credo da Igreja nasceu junto com ela, bem antes de ela escrever o Evangelho, “Confiando de uma vez para sempre aos santos” (Judas 3). O Evangelho é o testemunho escrito do credo ou da fé da Igreja. Os apóstolos registraram, apenas registraram e muito tarde, aquilo que a Igreja acreditava e ainda acredita que “No principio subsistia o Verbo, o Verbo coexistia com Deus e o Verbo tem sido Deus”. Antes que Mateus publicasse, a Igreja acreditava e rubricava “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Antes que Paulo declarasse por escrito, a Igreja acreditava que “Jesus é o Senhor, um só Senhor”. Antes de João anunciar e antes de Credo Nicenoconstantinopolitano definisse, a Igreja acreditava que o Espírito Santo do Pai procede”.

             A Igreja, então, tem uma doutrina enraizada em si, manifestada no seu Evangelho e sintetizada pelo Credo Niceno. É o único credo que a Igreja Ortodoxa aceita, proibindo o uso de qualquer outro credo e qualquer alteração no mesmo. Para a Igreja Síria o Credo Niceno é o símbolo da ortodoxia católica, de qualquer Igreja. Não aceita nada mais e nada menos do que vem na letra e no espírito do Credo, para a salvação das almas, conforme a definição dos três primeiros concílios ecumênicos.

            É lamentável constatar o abuso de algumas Igrejas, contrariando, solapando, minando e deformando o Credo Niceno. Mas saudamos o salutar movimento de redescoberta do mesmo.

5. ASPECTO HIERÁRQUICO ADMINISTRATIVO

             “Ele mesmo acolheu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos nós sejamos um na fé e no conhecimento do Filho de Deus e no estado de homem perfeito, na medida da estrutura da perfeição de Cristo” (Ef. 4:11 a 13).

            A Igreja Ortodoxa segue fielmente esse sistema apostólico, valorizando seus prelados, como genuínos sucessores dos apóstolos, e eleitos por suas dioceses, ratificados e homologados pelo sínodo episcopal e consagrados pelo mesmo, presidido pelo Patriarca. Cada diocese e cada patriarcado legislam para sua jurisdição, no que diz respeito à disciplina e administração já que os assuntos da fé já foram definidos desde o início pelos três concílios ecumênicos, que são a autoridade máxima na matéria, mas por autoridade do próprio concílio e não de quem o presida ou de autoridade imperial. Isso significa que a Igreja Ortodoxa aceita a infalibilidade da Igreja como um todo, e de nenhuma outra pessoa ou outro sistema. É a colegialidade apostólica que conta com o penhor do Espírito Santo, que dirige os destinos da Igreja, em paz, amor, e harmonia. Isso não é novidade. A Igreja começou assim e assim vive, até que o Senhor venha.

 

            Num mundo de contrastes, de jogos políticos e financeiros de interesses estratégicos e tendências nacionalistas; a Igreja, sabiamente, vem respeitando e defendendo as autonomias diocesana e patriarcal, sem a necessidade de recorrer a um poder absoluto ou rodeios administrativos. É muito difícil manter o equilíbrio entre a autonomia e a colegialidade, pois “onde está o Espírito do Senhor, ai há liberdade. É o milagre ortodoxo. O concílio de Éfeso, reunido em 431, em seu primeiro cânon prevê e adverte: “Os cânones patríticos não devem ser ultrajados, nem pelo pretexto do ministério sacerdotal permitiremos a penetração de soberania ou supremacia do poder, a exemplo da autoridade civil (mundana). Não nos devemos enganar, perdendo, pouco a pouco, a liberdade que conquistamos pelo sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, libertador de toda a humanidade. “ Convém, neste contexto, citar mais uma advertência no mesmo sentido, desta vez, dirigida pelo apóstolo Paulo aos Cristãos de Corintos: “Porventura foi dentre vós que saiu a palavra de Deus? Ou veio ela somente para vós? (1Co 14:36). E, Paulo, outra vez: “se, no entanto, alguém quiser contestar.....nós não temos tal costume e nem as Igrejas de Deus”. (1Co 11:16).

            Alegramo-nos, portanto, pela redescoberta do sistema administrativo da Igreja Ortodoxa e oremos pelas demais igrejas a chegarem à plenitude de Cristo.

6. ASPECTO ECUMÊNICO

            É bastante temerário desmentir as divisões doutrinárias e disciplinas na unidade cristã, acumuladas, alimentadas e inflacionadas por diversas razões, de ordens teológica, política e administrativa. Ressalta-se que todas as divisões provém das Igrejas, chamadas ocidentais e nenhuma, mas nenhuma, das Igrejas Orientais. Aliás, todas as divisões no cristianismo oriental tem sido impostas pelas igrejas ocidentais ou por sua ingerência , enfraquecendo, mais ainda, o seu testemunho cristão missionário. Parece, contudo, que as técnicas ocidentais vem se mudando, paralelamente ao colonialismo político. Acabou a técnica de proselitismo individual, para iniciar a conquista coletiva em nome do ecumenismo. Fazem parte do movimento ecumênico as guerras civis que o Ocidente, à luz do dia, vem provocando, em nome do fanatismo religioso, nas regiões das Igrejas Ortodoxas indefesas, para liquidá-las sumariamente. Já não basta o comunismo, fruto da decadência ocidental, em resposta ao capitalismo, da mesma procedência? Pode ser, também, o movimento ecumênico, uma forma velada da redescoberta da Estrada de Damasco. Perguntaremos: o que falta para a Igreja Ortodoxa, para ser ecumênica? Quais os seus erros fundamentais; evangélicos, doutrinários, sacramentais sucessores ou dogmáticos? “Se o nosso evangelho, diz Paulo, ainda estiver encoberto, está encoberto para aqueles que se perdem” (2Co 4:3). Se outras igrejas tiverem sentido de culpa, que voltem para as suas origens e serão muito bem recebidas.

            De fato, é muito salutar a preocupação e a vontade dos cristãos, que ocupam posições de responsabilidade, em verem o cristianismo unido em um só rebanho e um só pastor. O rebanho seria todos aqueles que confessam que “Jesus é o Senhor” (1Co 12:3). O único pastor chefe dos pastores é Jesus pelo testemunho do próprio São Pedro (1Pe.5:4). Aceitamos o ecumenismo na base do Credo Niceno. As ênfases teológicas ficariam à consciência individual, contanto que não se transformem em dogmas de fé. No aspecto administrativo, a Igreja Ortodoxa sustenta os privilégios históricos honoríficos, que as sedes apostólicas haviam auferido, mas sem nenhum sentido de soberania supremacia ou infalibilidade, senão a do Cristo. Para a Igreja, o chefe verdadeiro da Igreja, Jesus, está presente e visível na Eucaristia, no Espírito Santo, na Igreja. Durante o Império Romano, a administração hierárquica das Igrejas condicionou-se ao sistema da administração civil ou divisão política, dando prioridade honorífica às sedes metropolitanas. Jerusalém, o berço do Cristianismo, foi relegada a uma diocese de terceira ou quarta categoria, enquanto Constantinopla, que nem existiu nos primeiros séculos, se tornou segunda capital do Império e assumiu o privilégio honorífico de segunda cátedra, pela decisão do concilio ecumênico de Constantinopla, em 381 e o primeiro lugar em Calcedônia, 451.

             O mundo de hoje está ficando cada vez menor. A sociedade humana está se consolidando em termos nacionais, regionais e continentais; culminando na ONU e em outros órgãos internacionais. A ONU, apesar de suas falhas políticas, como instituição humana, tem servido como parlamento mundial, onde, pelo menos teoricamente, todas as nações, pequenas e grandes tem acesso e par de igualdade, de deveres e direitos, com algumas ressalvas, para satisfazer o capricho das chamadas grandes potencias. No caso da Igreja, defendemos o sistema da ONU. Resolvido o assunto do Credo doutrinário, podemos perfeitamente criar um CEC (Concilio Ecumênico Cristão), CEM (Concílio Eclesial Mundial), ou um organismo semelhante, onde todas as Igrejas apostólicas, ou mais numerosas. Por que “Os filhos deste mundo são os mais prudentes do que filhos da luz?” (Lc. 16:8). Seria, a meu ver uma nova Nicéia. Teríamos, como já temos uma só doutrina, um só corpo, um só espírito, uma só esperança, um só Senhor, uma só fé, um só batismo e um só Deus e Pai de todos (Ef. 4:4).

7. ASPECTOS JURÍDICOS

             Nossa nomenclatura é questão polêmica e motivo de controvérsia. Já vimos que a Igreja na Síria foi a primeira a adotar o nome cristão e o adjetivo católico, desde o tempo apostólico. O adjetivo ortodoxo é exclusivo dela, desde tempos imemoriais, enfatizado, porém, na época de contestação ariana, nestoriana e calcedoniana, cujos seguidores exploravam o títulos de católicos . Ortodoxo, então, denominava os católicos fiéis ao Credo Niceno, que define a Igreja como una, santa, católica e apostólica.

            Hoje o nome da Igreja Síria é usurpado por outros grupos dissidentes. O nome católico também é disputado por muitas Igrejas e agremiações, com ou sem outros adjetivos. Isso não tira o nosso direito histórico e hereditário, atestado e confirmado pela magna carta do catolicismo, que nunca deixamos de citar em todas as nossas missas e cerimônias e principalmente nas sagrações episcopais. O nome ortodoxo é igualmente pleiteado pelas Igrejas Bizantinas ou Greco-Romanas. É sabido, porém, que as referidas Igrejas estavam em união com Roma até o século 11 ou, talvez, até o século XV e nunca cogitaram o uso deste título antes da referida época, enquanto a Igreja Síria, a Igreja Copta e suas demais irmãs usaram o nome ortodoxo como título, pelo menos desde o século V. O título atual de nosso patriarca é Chefe da Igreja Católica Sírio-Ortodoxa ou da Igreja Sirian-Ortodoxa Católica. É o fim de papo, para aqueles que fogem da realidade e aqueles que nos negam o que é genuinamente nosso.

            Longe de se ufanar da coisa alheia ou impor algum nome regional ou nacional estão aqueles que fazem parte da nossa comunhão. É o caso das Igrejas Copta, Etíope, Armênia, etc. Para os irmãos que, por convicção se unem à Igreja Católica Ortodoxa Síria no Brasil, o nome Sirian é apenas uma referência histórica, nunca deixando de ser católicos e brasileiros.

 

NOÇÕES E CONCLUSÕES GERAIS

 

  1. O presente Trabalho, feito com isenção, é uma exclamação cristã e sincera, uma convocação a todos os cristãos, para redescobrirem a Igreja, à luz do Evangelho, da história e das novas realidades que vivemos. O mundo carece de ouvir a voz de uma Igreja única, que dê o testemunho da paz, num mundo de conflitos e guerras, à beira de catástrofes imprevisíveis. Centenas de problemas, considerados crônicos, foram ou tem sido resolvidos à luz das negociações. Nós, cristãos, que acreditamos na orientação do Espírito Santo, devemos redescobrir a nossa unidade em Cristo e em sua Igreja, removendo todos os obstáculos que obstruem a ação do Espírito Santo, na unificação de todos aqueles que invocam o nome do Senhor. A Igreja Ortodoxa dá a solução.
  2. Estamos já entrando no 3º milênio. Estamos, como cristãos, preparados para isso? Espero ver a Igreja do Cristo unida, sem barreiras, sem excomunhões, sem polêmicas, sem trincheiras; unida na fé, no Evangelho, no Credo, no batismo, na oração, na comunhão, no amor, na santidade e nos sofrimentos; “esforçando-se por conservar a unidade do Espírito no vínculo da paz” (Ef. 4:3).
  3. O calendário oriental do Advento abre-se no primeiro domingo de novembro, dedicando o primeiro domingo, entre oito, à santificação e o segundo domingo à renovação da Igreja, preparando os seus membros a receber o nascimento do Cisto com a devida dignidade . Isso é muito sugestivo e traz em si a intrínseca convicção da inerente unidade dos que chamam o Deus de Pai, alimentando viva a esperança imorredoura da chegada de um dia glorioso “para que fossem reconduzidos à unidade os filhos de Deus, que andavam dispersos” (Jô. 11:52) “para que o mundo creia e conheça que tu enviaste a mim” (17:21 a 23).
  4. O Brasil por sua formação social, cultural e cristã, tem a sua vocação ecumênica, manifestada e reconhecida em sua história e em suas relações internacionais, libertos de preconceitos discriminatórios de fanatismo, raça, ódio, colonialismo, camadas sociais, etc. Isso coloca o Brasil e os brasileiros em grandes vantagens à frente do Velho Mundo e de muitas culturas contemporâneas infestadas pelos vírus de doenças crônicas. O Brasil e os brasileiros têm uma vocação histórica e uma missão singular, inerentes no nome de Santa Cruz, que os grandes fundadores deram a esta terra. A proliferação desenfreada de ordens, igrejas e assembléias, que não se coaduna à alma brasileira, deve ser considerada como contestação e alienação entre Cristo e sua Igreja e como a busca de algo melhor, na tentativa de redescobrir os valores eternos da Igreja. E, como de fato comunidades, prelados e presbíteros, de diversas procedências vêm unindo-se à Igreja Católica Ortodoxa, resultado de oração, experiência e prolongados estudos, mesmo em obras tendenciosas; redescobrindo a si mesmos e a própria Igreja de seus sonhos. A Igreja Sírio-Ortodoxa, por sua vez, enxerga o dedo de Deus nessa aproximação espontânea, sem nenhuma conotação política, soberania cultural ou interesse comercial. Pelo contrário, a Igreja Ortodoxa carece desse movimento popular para sua sobrevivência e fixação em terras brasileiras e para sacudi-la a redescobrir a si mesma, saindo de sua inércia, voltando a reassumir os seus sagrados compromissos ecumênicos e revivendo os grandes ideais de seus primeiros missionários Pedro e Paulo e demais apóstolos, “para a obra que lhe foi destinada” (Atos 13:2). Ela tem tudo para satisfazer religiosidade brasileira. Ela tem todas as vantagens de todas as demais igrejas e nenhuma das desvantagens das demais Igrejas.
  5. Foi com esse espírito, que redigi o presente trabalho, que inspirou o próprio autor dirigindo de alma para alma “Isto é, para que juntamente convosco ou seja consolado pela fé comum, assim vossa como minha” (RO. 1:12). “Porque não me envergonho do Evangelho de Cristo, que é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê”(1:16). Sei que estamos tratando de coisas séries com homens sérios. Creio que dei o recado, que me apraz deixar em suas mãos para merecer sua meditação e seu estudo e julgamento; convocando teólogos, presentes e ausentes, para analisarem e ajuizarem o presente testemunho. Não devemos ficar apenas no ouvir ou ler. Devemos sim, apreciar, meditar, avaliar e sentenciar; saindo com decisões e resoluções práticas e quem sabe, com repercussões favoráveis, de âmbitos nacional e internacional, justificando a nossa vocação de bandeirantes e pioneiros, na redescoberta da razão da nossa fé, a salvação das almas.

 

                                                                          Campo Grande (MS), quarta feira, 05 de maio de 1982

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